"Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
...
Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não."
in "Trovas do vento que passa" Poema de Manuel Alegre
Caros amigos e companheiros
Alguns eventos e conversas cibernaúticas nos últimos dias levam-me a reflectir de uma forma nostálgica sobre o nosso mundo FS. Por isso vou por em "holding pattern" a segunda parte do meu testamento sobre Add-ons e opinar um pouco sobre a história vivída pessoalmente e transformação que eu considero ter-se dado na comunidade desde que iniciei esta vida de simulação aérea nos anos 90.
Lembro-me de ter começado no FS a sério com o FS5.1 em 1995. Já tinha brincado com simuladores (FS1) num Apple em 1986 mas foi com o 5.1 que me iniciei defacto. Sozinho, com apenas um manual e umas cartas de Munich, Paris, Seattle e pouco mais lá fui aprendendo a voar com o Cessna e o Learjet - Jogando, porque era um jogo para mim tal como o Falcon e outros que existiam na altura. Apos alguns meses o "jogo" tornou-se em algo mais: Tendo já algumas horas de voo real como passageiro abordo de Boeings durante as minhas idas e vindas das Antípodas, o interesse aumentou e fui aprendendo cada vez mais com base nos poucos recursos que o nosso pais proporcionava em termos de bibliotecas e material de consulta. Payware - o que era isso? Add-ons, nem vê-los.
No Final de 1996 consegui comprar o FS95, a primeira versão do FS para o sistema operativo Windows e no ano seguinte o FS98. Regalei-me com a oportunidade de finalmente poder voar para qualquer aeroporto principal do mundo, com aviões de realismo espectacular e com a oportunidade de fazer download de novos aviões e cenários atravéz daquela coisa esquisita (na altura) chamada INTERNET.
Foi nesta altura que me agarrei definitivamente a este hobby e conheci amigos, a maioria dos quais me têem acompanhado até hoje. Após um periodo em que tinha de correr para o multibanco para carregar o meu cartão da Telepac quase todas as semanas, finalmente consegui instalar RDIS em casa e, ai sim! é que a ligação era rápida! Lembro-me dos dias da velha TAPVA (formada em 1997) e de novidades como SquawkBox e Procontroller na rede SATCO, em que se podia voar online em tempo real e se podia ser controlado - maravilhoso. Passei horas a fio a voar e a comunicar POR TEXTO a colegas que ia encontrando nesse mundo cibernautico como utilizar estas perolas. Recordo-me de uma noite quando demorámos três horas para colocar 8 individuos em rede, para depois no momento de voar a internet dar o berro e eu ficar a olhar para o monitor! Fartavamo-nos de divertir, trocar ideias e ensinamentos em torno deste hobby. Conheci através da internet dezenas de pessoas - algumas vinham e iam, outras ficavam.
Os Add-ons começavam a ganhar qualidade profissional com o FS2000 e a comunidade unia-se na net para trocar ensinamentos. Cartas de navegação, planos de voo e AOMs eram raros e a as diferentes organizações que se iniciaram trabalhavam arduamente para obter melhores condições e facilidades para os seus membros.
A TAPVA e a SATAVA eram então as duas VAs Portuguesas, ambas lideradas por pessoas de enorme espírito de sacrifício e de trabalho. Ambas partiram da carolice de uma pessoa que despendia o seu tempo e dinheiro para proporcionar uma sensação de realismo e profissionalismo a todos. Pilotos de uma companhia voavam na outra e ambos trocavam ideias. Os Portugueses eram dos mais activos na Europa da recem formada SATCO e o ano de 1999 trouxe o primeiro evento na Guarda: Foi a minha primeira grande oportunidade de conhecer os amigos "face to face"; uma alegria tremenda, mas que se tornou num ponto de viragem para mim. Vim a conhecer um outro lado da simulação aérea que até entao não pensava existir.
Foi após este encontro e os acontecimentos no final do mesmo que o mundo da simulação mudou para mim. Com uma populariedade de crescimento exponencial, a explosão de pilotos no ceu virtual (sim, porque na altura era "One Sky") introduziu outros conceitos na busca da perfeição na simulação e trouxe tambem ideias e personalidades diferentes. Assumi um cargo de responsabilidade na então TAPVA, posteriormente dissolvida; agarrei nos "restos" e juntamente com um grupo de companheiros criamos a TAP Virtual, sem chefes, sem directores, sem poleiros, mas com pessoas responsáveis pela transmissão de conhecimento e com o intuito-mor de manter a saudável convivência entre todos os membros da comunidade em geral, e entre instituições em particular, engrandecendo este grupo.
Bons amigos naqueles tempos, pessoas que me ajudaram e apoiaram pública e privadamente. Pedro Sousa (Fundador da SATAVA); Miguel "Kispo" Branco da Silva (Fundador do Portugal VACC); João Vareta, Telmo Nobre e Carlos Neto (Co-fundadores da TAP Virtual); Miguel Salgado, Manuel Florindo, entre outros. Todos deram o seu contributo para a comunidade FS do nosso Pais nos primórdios e a maioria continua por ai, mais ou menos activa. A mediatização do nosso hobby (que se tornou durante largos periodos em Jobby) iniciou-se com entrevistas no Expresso e Correio da Manhã e foi então que houve algumas alterações no comportamento de alguns sectores da nossa comunidade.
A certa altura iniciou-se uma radicalização de posições que, em retrospectiva, considero ter sido inevitável. (Nota: Após o periodo de transição em termos organizativos, afastei-me por um tempo do CE da TAP Virtual, afastamento talvez um pouco indelicado, dado que me afastei sem aviso prévio, deixando os restantes membros do CE livres para desencadearem as acções que considerassem apropriadas. A TAP Virtual tinha na altura se apresentado à companhia real por forma a obter apoio da mesma). A partir daqui (diga-se, do Guarda2000) gerou-se um clima da desconfiança entre instituições; porém, nem tudo foi negativo. Houve muita troca de ideias e clarificação de princípios no que toca ao que realmente deveria ser o caminho a precorrer pelos simmers Portugueses. Nos Portugal Airshows, nos Guardas, nos jantares, nos eventos online, houve por vezes a saudável concorrência e benifício para toda a comunidade, mas também houve a desconfiança, a má-lingua e o montar de barricadas.
Os jantares do VACC incorporaram-se como tradição e muito trabalho foi feito fruto de discussões tremendas entre elementos de diferentes quadrantes. Mas o ar da desconfiança tornou-se no terreno de guerrilha em muitos casos: cada um queria fazer as coisas à sua maneira e muitos eram intolerantes à mudança - A cada um assistia a sua razão mas geralmente isso não era suficiente para unir esforços e chegar a consenso para o bem comum. A comunidade, antes unida, fraccionou-se em facções diametricamente opostas. Anteriores amigos tornaram-se adversários e as instituições sofreram as consequências, o espelho de fraccionamentos exteriores também - a SATCO tornou-se VATSIM e um grupo de ex-membros da SATCO formou a IVAO. Gerou-se o desinteresse por parte dos novatos, e agudizou-se a luta pela supremacia da comunidade.
As mailing lists eram o campo de batalha dos exercitos fraticidas: uns proclamaram a mudança e a elevação ao mais alto nível da simulação de acordo com as suas ideologias revolucionárias; apoios externos das companhias reais, com ideias novas contra os ditos Velhos do Restelo que apenas olhavam para o seu umbigo e só pensavam no que poderiam extrair do "povo" em termos de glória, pseudo-cargos e pseudo-prestígio. Do outro lado a retaliação veio com a acusação da existência de organismos secretistas e auto-vangloriantes, roubo de ideias e acusando os adversários de se pavanearem quando de facto eram incompetentes e retrogados.
Assisti a tudo isto sentado em cima do muro da neutralidade (alguns acusaram-me entrelinhas de estar sentado na bancada do dualismo), tentando perceber onde isto nos levaria. Apesar de tudo e, recordando as palavras escritas ha dias pelo amigo José Oliveira, de certa forma gostava das longas noitadas passadas sem dormir e a discutir questões no RogerWilco enquanto se voava. Gostava dos almoços e jantares que juntava elementos para debater pontos de vista: pessoalmente trazia sempre mais conhecimento para casa do que levava para os encontros. Mas a pergunta mantem-se: Onde é que isto tudo nos levou?
Para vos ser franco, apenas tenho umas luzes para poder responder - cada um extrairá as suas conclusões. Mas, para responder em parte e ilustrar a minha opinião vou dar um exemplo: Air Luxor Virtual. Fruto de um grupo de pessoas que, na sua maioria, não foram expostas a estas tempestades históricas, são neste momento a VA mais bem organizada e produtiva da comunidade Portruguesa. Sendo apoiada pela companhia real, é no entanto livre da inércia causada pela bureaucracia que pesa sobre outras instituições FS Portuguesas. A ALV é a companhia que mais eventos promoveu para os seus pilotos este ano e mais publicidade atraiu. Sendo um grupo unido e coeso, sem preconceitos nem traumas de anteriores acontecimentos, fazem tudo em grupo e nao se apoiam apenas num único elemento para atingir o seu objectivo. Também não contém o peso morto da inactividade e é neste momento (das 3 VAs Portuguesas) a que mais pilotos "fornece" as redes mundiais de ATC. Quer a SATAVA, quer a TAPV, quer o Portugal VACC (para referir as mais cotadas) sofrem de anemia em termos de ideias e promoção do hobby. Seria bom que estas se injectassem de vontade (e talvez sangue novo) para mostrar de facto o que esta comunidade é capaz de fazer.
Quem ler isto pensara que será um anúncio para a ALV. Apesar de ser Piloto desta VA, não pretendo promover a ALV acima de qualquer outra - utilizo apenas o exemplo para comparar com as restantes instituições Portuguesas. E aqui vem o ponto fulcural da minha dissertação: Cansadas de lutarem entre si, a maioria das instituicoes de simulacao aerea em Portugal não têem folego para fazer o que de facto deveriam fazer - promover a Simulação, criar condições para a união dos seus membros e incentivar o ensinamento e a diversão. Talvez seja o caso de a ALV ser uma organização relativamente nova, mas creio que poderá ser um exemplo do que fazer no futuro para a nossa comunidade prosperar cada vez mais. Neste momento, chegou-se a um ponto de "rame-rame", novamente plagiando o Zé. Cada um vai fazendo a sua coisa mas as forças não parecem ser muitas.
Daí a introdução a este tema: O poema celebrizado em canto pelo Adriano Correia de Oliveira. O vento dos ceus virtuais Portugueses calam de facto a desgraça - Tem que haver alguem que resista ao rame-rame, alguem que resista!